A morte da menina

A notícia chegou, de forma estranha, quase silenciosa, foi ouvida mais pela percepção do que pela própria audição, talvez tenha assustado muito as pessoas que conheciam-na, mas ela sabia que não tinha caminho de volta: “A menina morreu”.

Ela não era menina na idade, sabem como é isso? Era no coração, no olhar puro, na credibilidade e na esperança que depositava nas pessoas, possuía uma certa inocência em relação aos outros, quase infantil.

Seus últimos meses foram agonizantes, seus dias foram entrelaçados por uma espécie de lucidez indesejável, quase torturante e também por uma embriaguez idiota, ilusória. A primeira representava a dor, toda a dor que teria que suportar para romper com a segunda, que na verdade, não passava de uma miragem, mas era o que segurava o seu coração, a sua vida.

Essa lucidez chegou disfarçada, bem argumentada, quase diplomática, dir-se-ia que era necessária naquele momento tão importante. Não tinha como arrancá-la dali, a menina não pediu que ela viesse, ela simplesmente instalou-se, através da voz de quem representava confiança e amor. E novamente ela aceitou e acreditou, mas nem imaginou qual seria o seu desfecho.

Essa lucidez não era suave, não se espalhava simplesmente, ela arrancava a inocência à força, fazia suar, fazia sangrar, deixava-a tonta e completamente sem forças, ela era a causadora da pior tormenta que essa menina já viveu, nenhuma outra foi tão devastadora, tão fatal.

Os primeiros membros a serem atingidos por essa doença foram as asas, mas espera aí, meninas não têm asas! Esse tipo de menina tem sim, são elas que sustentam-na, que fazem-na voar, que fazem-na sonhar. A ferida foi aberta e não teve remédio, não teve sutura, não teve bálsamo que aliviasse. Ela foi ficando cada vez mais profunda e dolorida, causava febre e alucinações. A única chance era tentar remédios terapêuticos, gratuitos até, como a compaixão e o amor de quem conhecia o sofrimento daquela menina, mas infelizmente, as pessoas já tinham esgotado as suas porções e ela aprendeu que não poderia se sustentar, se dependesse de outro ser.

Sem mais o que fazer, ela deixou o curso da vida desempenhar o seu papel, as asas, enfim, caíram, o seu coração não bombeava mais pureza, os seus olhos  fecharam-se para a inocência…

Mas quem é aquela que surge ali, de pé, naquela porta? É você menina? E ela, estranhamente calma, responde:

_ Olá! Muito prazer, eu sou a mulher!

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